Hermético?

Hermético: adj. 1. Inteiramente fechado, de sorte que o ar não possa entrar. 2. De compreensão muito difícil.

Quão difícil será invadir-me o Ar a abertura piriforme? E quem disse que o quero percorrendo o epitélio mucoso que reveste as minhas vias respiratórias? Talvez sua ausência me leve ao ébrio estado de lucidez tão desejado por aqueles de pulmões obliquamente vulneráveis. Creia! Do Ar anseio apenas a força para gritar. Desejo a necessidade orgânica de contrair meu diafragma e distender as minhas valéculas epiglóticas, contrair as minhas cordas vocais e relaxar o meu centro tendíneo em ritmos espásticos para sentir propulsões nos hiatos esofágico e aórtico. Apenas desejo o grito!
E de que me valeria sobrecarregar de forma absurda minha medula oblonga e meu nervo frênico se o quadríceps da coxa e flexor longo do hálux não acompanham tanta necessidade de aminas endógenas? Por que exigir tanto dos meus sarcômeros se a glicogenólise e a vasoldilatação simpática não serão satisfatórias?
Por isso opto pela Hipoxia. Uma acidose metabólica não faz tão mal assim. Em certos instantes é até preferível. É o suficiente para aturdir um pouco a hemodinâmica das minhas hemácias. E a escolho pois neste meu estado letárgico não me é necessário lembrar que onírica é a segurança fora da camada córnea que reveste meu corpo. Escolho com avidez na vaga esperança de que a ausência do Ar me faça perder a indispensável prudência, a qual prefiro ignorar quando utilizo exaustivamente as minhas áreas de Broca e Wernick e esqueço que devo abusar do meu Órgão de Corti e fingir não possuir músculo hipoglosso.
Apenas a Hipoxia! - na ânsia de que ela me seja amiga e imobilize meu Circuito de Papez, que parece ter sido fadado à incoerência e à tolice, ao ponto de me propiciar liberação de serotonina quando escrevo textos prolixos ou dedico horas a fio estudando os processos neurofisiológicos que tentam explicar por quê ser humano é tão hermeticamente divino.

- Loucura de um estudante de Medicina -

sábado, 23 de agosto de 2008

Soneto Erotomaníaco

De que me valem certezas absolutas
Se os meus lábios anseiam apenas os teus?
Tua pele permite que a descrença eu degluta
Por que fingir? - Sabes que o sonho não morreu.

O eflúvio doce do nosso amor atrevido
Dá-me, às narinas, respostas por quais anseio:
Comigo estás! Faz tudo perspícuo sentido!
Transcende esta estória a um egóico devaneio.

E por mais que para o mal que você me faz
Só exista uma justificativa edaz,
Minha ectópica razão diz: nunca desista!

Teus olhos confirmam o inefável desejo
- Que todos negam, mas evidente, em ti, vejo - :
Ter-me contigo num ébrio fadário altruísta...

Rafael Casal
23 de Agosto de 2008

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Cirurgia

Permito-me o conforto das linhas obscuras,
De olhos abertos eu não suportaria!
Sinto, imerso em minha opiófaga loucura,
No corpo a dor e no espírito a anestesia.

Eu rasgo a pele com psicótico objetivo:
Estrangular as minhas lembranças felizes.
Deve o corte ser preciso e definitivo
Para que nada reste além de cicatrizes.

No findar desta insólita carnificina
Eu percebo, em tudo aquilo que me alucina,
A pequice de um sentimento verdadeiro;

Vou esmagar, às vísceras, coisas estranhas
E arrancar com voracidade das entranhas
O amor fátuo que me devorou por inteiro.

Rafael Casal
18 de Agosto de 2008

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

No Casulo

Sinto os punhos machucados pelas correntes
E nada me ocorre a não ser gritos de dor
Comprimido por razões e anseios dementes
Meu espírito sobrevive apenas de amor.

Livro-me dos mantos sem respeito às etapas,
A pele seca arranco sem nenhum receio
E o medo de prosseguir que me sobreveio
Por entre os meus dedos corroídos escapa.

Nutrindo permaneço meu obnóxio sonho
Pois conseguir bem fazer ao que me proponho
Quero antes de uma perfeição obsoleta.

Vou vencer as paredes deste meu casulo
Os nós eu desfaço e as amarras estrangulo!
Breve livre voarei como borboleta...

Rafael Casal
08 de Agosto de 2008

domingo, 10 de agosto de 2008

Confissões Difíceis Pedem Folha Branca*

"Acabou! Aceito o veredicto objetado
E então entendo o exíguo motivo do fim:
Apesar de encontrar tudo apenas em mim
Sou a nítida acusação do teu pecado.

Não mais existe a necessidade da fuga!
O que outrora agrediu, sequer hoje amedronta
A mesma mão que amargas lágrimas enxuga
Se preciso for esmaga certezas prontas.

Agora, neste esquálido sonho incomum,
A tristeza e a alegria são apenas um.
Toda saudade? - Não passa de nostalgia;

Vejo, pelo exagero deste amor insano,
Que o meu terrível - mas não inválido! - engano
Foi ter acreditado que eterno seria. "

Rafael Casal
01 de Agosto de 2008


*Plágio: Frase de Carlos Drummond de Andrade!