Hermético?

Hermético: adj. 1. Inteiramente fechado, de sorte que o ar não possa entrar. 2. De compreensão muito difícil.

Quão difícil será invadir-me o Ar a abertura piriforme? E quem disse que o quero percorrendo o epitélio mucoso que reveste as minhas vias respiratórias? Talvez sua ausência me leve ao ébrio estado de lucidez tão desejado por aqueles de pulmões obliquamente vulneráveis. Creia! Do Ar anseio apenas a força para gritar. Desejo a necessidade orgânica de contrair meu diafragma e distender as minhas valéculas epiglóticas, contrair as minhas cordas vocais e relaxar o meu centro tendíneo em ritmos espásticos para sentir propulsões nos hiatos esofágico e aórtico. Apenas desejo o grito!
E de que me valeria sobrecarregar de forma absurda minha medula oblonga e meu nervo frênico se o quadríceps da coxa e flexor longo do hálux não acompanham tanta necessidade de aminas endógenas? Por que exigir tanto dos meus sarcômeros se a glicogenólise e a vasoldilatação simpática não serão satisfatórias?
Por isso opto pela Hipoxia. Uma acidose metabólica não faz tão mal assim. Em certos instantes é até preferível. É o suficiente para aturdir um pouco a hemodinâmica das minhas hemácias. E a escolho pois neste meu estado letárgico não me é necessário lembrar que onírica é a segurança fora da camada córnea que reveste meu corpo. Escolho com avidez na vaga esperança de que a ausência do Ar me faça perder a indispensável prudência, a qual prefiro ignorar quando utilizo exaustivamente as minhas áreas de Broca e Wernick e esqueço que devo abusar do meu Órgão de Corti e fingir não possuir músculo hipoglosso.
Apenas a Hipoxia! - na ânsia de que ela me seja amiga e imobilize meu Circuito de Papez, que parece ter sido fadado à incoerência e à tolice, ao ponto de me propiciar liberação de serotonina quando escrevo textos prolixos ou dedico horas a fio estudando os processos neurofisiológicos que tentam explicar por quê ser humano é tão hermeticamente divino.

- Loucura de um estudante de Medicina -

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Vagido

Com hígidas aparências não mais me engano,
Ferir-me? - Exige mais que golpes viperinos.
Dilascero, com vilipêndio, o que abomino:
- Paz plena eu desejo! Não me interessa o dano.

Meu depauperado olhar reflete o cansaço
Que minh'alma acomete enquanto eu sobrevivo!
Toda hedionda manhã, sequioso, eu renasço
Sem receio de um futuro dubitativo.

Em respeito ao meu sossego, num gesto audaz
Desprezo da vida o sonho que me compraz,
Por mais que por isto tenha eu muito esperado;

Rejeito, estrênuo, o que porventura me encante!
E encontra-se meu coração neste imo instante
Para visitações, por completo, fechado.

Rafael Casal
29 de Outubro de 2008

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Ultimação Áfona

Revela o humano sua natureza obscura
No que em sua empáfia considera viver.
Desprezo o convívio de venéfico ser
Que aceita a condição de estulta criatura.

Uma impenitente conduta o mundo ensina!
Acorde e veja o vurmo da bestialidade:
Encerra a ignara criança uma alma vulpina
E busca o acerbo adulto outrem a quem malfade.

- Definhe aquele que infrene anda pela vida
E apodreça o que espera de mão estendida! -
Este é o albente afã que, à minha mente, avança.

Enfim, cansei desta realidade triste
E se Deus, em indelível verdade, existe
Não é o homem sua imagem e semelhança.

Rafael Casal
23 de Outubro de 2008

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Dispepsia

Engolir? - Soez escolha que eu não faria!
Reservo, às vísceras, o fastígio do nada.
Sempre que vejo, dos homens, a alma afaimada
Mais lícita se mostra a minha anorexia.

Digerir? - Permito a quem demência procura
Sanguinário ser de bulímico desejo
Reside em seus lábios saprófaga loucura
E uma morte sápida em seus olhos farejo.

Dos que, em seus dejetos, vivem um sonho inato
Abstenho-me de todo séptico contato!
Nojo emético tenho de quem não se asseia.

Existir nesta pústula despicienda
Supera o que eu queira ou mesmo compreenda:
- Precisa ter veneno correndo nas veias.

Rafael Casal
16 de Outubro de 2008

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Axioma Emérito

Nada mais é a vida que um álgido embuste!
De cavilosos sentimentos eu me isento.
Mesmo um amor que toda dignidade custe
Dissipa célere como areia ao vento.

Aqui sofrer? - Acredite: não vale à pena.
Sapiente é quem finge ser tudo um deleite!
Não tente entender! É fato, apenas aceite
Que a natureza humana é sádica e pequena.

Trata-se de uma escusada enxovia
Cuja imundície ardil - da paz - me demovia
E agora, da qual, todo receio eu esgano;

Aos que ao mundo vão em incúria singular
Eu, certo do que digo, lamento informar:
Não passa a felicidade de um ledo engano.

Rafael Casal
09 de Outubro de 2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Falácia

Eu sou feliz! Tenho um amor do qual me ufane
Indubitável sentir por nós mui bem-quisto
Hauriste-me da sujeira de um orco inane
Hoje, por ti, num edênico sonho existo.

Comigo estás! Escorreito é o que a gente sente!
Nossos olhos selaram o encontro de almas,
O calor do teu corpo ignescente me acalma
E respirar você me é suficiente.

Para esta idílica história, inerne, eu desperto!
Tua pele precípua eu preciso bem perto,
Viver sem teu beijo? - Uma idéia que abomino;

Completo sou por saber: Estás ao meu lado
Eu Te Amo! - Sei que sou, por inteiro, amado -
E toda eternidade é o nosso uno destino...

Rafael casal
05 de outubro de 2008

Cíbalo

Cansei do mundo! Ele não mais me aterroriza!
Parte não faço desta humanidade vulgar.
Por tais vidas? - Nada sinto além de ojeriza
Odeio a ironia dos que fingem me amar.

Nego faces que outrora julgava bonitas
E o veneno do amor-próprio eu experimento
Das minhas entranhas meu umbroso orgulho grita:
- Morram aqueles que gozam do meu lamento.

Sobreposto a toda esta emética baixeza
De uma coisa tenho indefectível certeza:
A mais opima felicidade Eu mereço.

Indiferente a quem em falso me elogia
Como alicerce da minha inane eufonia
Eu quero a Liberdade! Não me importa o preço.

Rafael Casal
02 de Outubro de 2008